quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um livro RUIM


Resenha do livro QUANDO TUDO VOLTA, de JOHN COREY WHALEY. Editora Novo Conceito.

Uma morte por overdose. Um fanático estudioso da Bíblia. Um pássaro lendário. Pesadelos com zumbis. Coisas tão diferentes podem habitar a vida de uma única pessoa? Cullen Witter leva uma vida sem graça. Trabalha em uma lanchonete, tenta compreender as garotas e não é lá muito sociável. Seu irmão, Gabriel, de 15 anos, costuma ser o centro das atenções por onde passa. Mas Cullen não tem ciúmes dele. Na verdade, ele é o seu maior admirador. O desaparecimento (ou fuga?) de Gabriel fica em segundo plano diante da nova mania da cidade: o pica-pau Lázaro, que todos pensavam estar extinto e que resolveu, aparentemente, ressuscitar por aquelas bandas. Em meio a uma cidade eufórica por causa de um pássaro que talvez nem exista de verdade, Cullen sofre com a falta do irmão e deseja, mais que tudo, que os seus sonhos se tornem realidade. E bem rápido.



Nunca julgue um livro pela capa”. Acho que eu tinha uns treze, catorze anos quando ouvi um amigo de meu pai, que era meu professor na escola, dizer essa frase pela primeira vez. Bem, este foi o primeiro desafio que precisei enfrentar ao encontrar-me com a edição brasileira do livro de John Corey Whaley, cujo título em português não é tão sugestivo quanto às palavras que o margeiam, ainda na capa:

Porque eu estou acordado em um mundo de pessoas que dormem.

Nada sugestiva, a capa do livro traz a silhueta de um pássaro, sob um fundo azul celeste. Longe de qualquer coisa atrativa à mente dos leitores, a história de Culler Witter, que é intercalada com a missão de Bento Sage, um missionário (Não me perguntem o motivo. Terminei a leitura e não descobri), se desenrola de maneira irritantemente vagarosa, quase deprimente.

Eu tinha dezessete anos quando vi o primeiro cadáver. Não era de meu primo Oslo. Era de uma mulher que aparentava ter cinquenta anos ou, pelo menos, quase isso. Não dava para ver furos de bala nem arranhões, cortes ou hematomas, então acreditei que ela tivesse acabado de morrer de alguma doença ou algo assim (p. 9)

A trama se passa na cidade de Lily, no Arkansas, um lugar maçante e tedioso, onde nada parece acontecer. Isso até o irmão mais novo de Culler, Gabriel, sumir misteriosamente, sem deixar vestígios. Numa cidade pequena, um fato não tão comum como o reaparecimento de uma espécie rara de pica-pau, dada como extinta, mobiliza todos de tal forma, que ninguém parece ligar para o desaparecimento do irmão de Culler, fato que deixa a família ainda mais desesperada.

Como a recusa de meu pai em voltar ao trabalho praticamente esgotou nossos fundos, minha família decidiu aceitar doações mediadas pelo banco local, organizadas pela Primeira Igreja Metodista Unida de Lily, que frequentávamos duas vezes por ano (p. 101)

Entre outras coisas, li algumas resenhas que sugeriam que o livro talvez fosse semelhante ao clássico A culpa é das estrelas. Bem, se John Green já tivesse morrido, voltaria à vida só para defender seu livro de uma heresia como essa.
Entretanto, nem tudo provêm da negatividade. Gostei, e muito, dos títulos que o autor deu aos capítulos do livro. Todos, sem exceção, são curiosos, literários, quase estimulantes.
Então, querido leitor, se depois de ler esta resenha, você ainda ficar empolgado com uma possível leitura desta obra, é só dar uma conferida nos agradecimentos do livro, onde o próprio autor assume um “solitário com uma queda por escrever histórias semidepressivas”.
Opinião final: decepção. O livro é confuso, sem maiores motivações para o leitor.

domingo, 16 de março de 2014

QUEM É VOCÊ, ALASCA?



Falar em John Green é lembrar do clássico A culpa é das estrelas, que o projetou como autor a nível internacional. Depois, entretanto, foram surgindo novos livros do autor, quase tão clássicos quanto o primeiro. Com a obra Quem é você, Alasca? não foi diferente. Basta dar uma conferida na frase que inicia o texto presente na contracapa do livro:

“Se as pessoas fossem chuva, eu seria garoa e ela, um furacão”.



                Miles Halter é um adolescente como outro qualquer. Em busca de uma vida nova e novas experiências, o jovem parte para a escola interna de Culver Creek, para se aventurar longe do ninho familiar e da super proteção dos pais. Seu pai estudou lá na juventude e Miles espera ardentemente que sua vida enfim tenha início nesse novo e inexplorado lugar. Num primeiro momento, fica claro que os pais do garoto pouco o conhecem, pois alimentam a esperança do filho ser popular na escola, cheio de amigos e super bem entrosado. Miles, na verdade, é tímido, introvertido, mas sedento por novas experiências.

Fui até o escritório do papai e achei a biografia de François Rabelais. Eu gostava de ler biografias de escritores, mesmo que (como era o caso com o Monsieur Rabelais) não tivesse lido nenhum de seus livros. Folheei as últimas páginas e encontrei uma citação destacada com marca-texto (...) Então, esse cara, eu disse, parado à porta da sala. “François Rabelais. Era poeta. Suas últimas palavras foram: ‘Saio em busca de um Grande Talvez’. É por isso que estou indo embora. Para não ter de esperar a morte para procurar o Grande Talvez” (p. 5).

                Miles era simplesmente fascinado em colecionar últimas palavras. Sobretudo as célebres. Chegando ao novo lar, ele conhece Alasca Young, a jovem e misteriosa que dá nome ao livro. Alasca tem problemas familiares e um psicológico nada convencional para uma garota tão nova e cheia de vida. Mesmo assim, uma atração entre os dois é inevitável.

Entramos. Eu me virei para fechar a porta, mas o Coronel balançou a cabeça e disse: “Depois das sete temos que deixar a porta aberta se estivermos no quarto de uma garota”, mas eu quase não o ouvi, pois diante de mim estava a garota mais linda da história da humanidade, com jeans cortados à altura das coxas e uma camiseta regata cor de pêssego” (p.15).

                É impossível não ressaltar o fato de que os personagens criados por John Green são magistralmente bem construídos. Dez páginas depois e a gente já sente que somos seus amigos de infância ou mesmo, parentes bem próximos. O mais impressionante, em minha modesta opinião, é que ele tem o dom de transformar antagonistas em protagonistas, como acontece com alguns personagens de menor impacto nesta história. O colega de quarto de Miles, apelidado de Coronel, é um deles. Como todos os outros, ele também tem os seus problemas, mas lida com bom humor e descontração com a maioria deles.
                O livro em si é divido em duas partes: ANTES e DEPOIS. É óbvio que o leitor fica imediatamente curioso com as citações do tipo Centro e vinte e oito dias antes, mas isso não impede que a leitura siga seu rumo, de maneira saudável e nada convencional. Acho até bem prático dizer que o livro é como uma montanha russa de emoções. Inúmeros são os temas abordados, que vão desde sexualidade até alcoolismo juvenil e relacionamentos familiares. Todos de maneira exemplar, beirando a perfeição.

As palavras ‘bebida’ e ‘farra’ me deixaram receoso de que eu tivesse me envolvido com o que minha mãe chamava de ‘as pessoas erradas’, mas eles pareciam inteligentes demais para serem as pessoas erradas (p.20).

                Um detalhe essencial: Miles é o protagonista, o narrador, mas Alasca é, sem dúvida, a principal fonte de brilho desta trama. Por diversas vezes, ela nos irrita e nos confunde, como por exemplo quando Miles vai lhe pedir socorro depois de sofrer um trote um tanto violento logo depois de chegar ao internato. Alasca mal lhe abre a porta do quarto e o destrata.
                Qualquer leitor, mesmo eu, que já estou na casa dos trinta, certamente já teve dias inesquecíveis na escola e amigos, cujos rostos e atitudes irá levar consigo para toda a vida. A este, é uma missão extremamente difícil não se envolver com este livro. Penso que, por mais um livro nos faça chorar, sofrer ou simplesmente dar umas boas gargalhadas que logo depois são esquecidas, o mais importante são as horas mais do que agradáveis que passamos em sua companhia. Como é o caso desde livro. Vida longa a John Green! Ele é perfeito!

sexta-feira, 7 de março de 2014

QUANDO A MORTE CONTA UMA HISTÓRIA...


Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler”. Só a frase escolhida para ser o destaque da contracapa do livro de Markus Zusak já é um suficiente para atiçar a curiosidade de qualquer leitor. Liesel Meminger teve três encontros com a Morte entre os anos de 1939 e 1943. E saiu-se muito bem nas três ocasiões. Inteira o suficiente para contar sua história ao mundo. História esta que, nas palavras da ceifadora de almas, é apenas uma dentre as centenas que ela já presenciou. Liesel, entretanto, consegue deixar a morte intrigada. Por que será?



A paisagem branca que parece ofuscar os olhos do leitor nas primeiras linhas do livro é tão bem descrita, que é impossível não ficar empolgado com a cena que se inicia. A Morte abre seu discurso falando de seu ofício. Assim é o primeiro dos três encontros que a nossa protagonista tem com sua maior adversária. Ou será que deveríamos dizer “admiradora”?

Às vezes eu chego cedo demais.
Apresso-me, e algumas pessoas se agarram
por mais tempo à vida do que seria esperável (p.15).

A Menina que roubava livros é um romance histórico, que transcorre sua narrativa durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente numa área pobre de Molching, cidade próxima a Munique, na Alemanha. Tudo se passa numa época em que aquele país era devastado pela fúria de Hitler e seus aliados. Uma época em que livros estrangeiros eram queimados em praça pública. Época em que uma jovem como Liesel precisou encontrar motivos plausíveis para continuar viva.
Apenas algumas horas depois de ver seu irmão mais novo morrer nos braços da mãe, dentro de um trem, Liesel é deixada sob os cuidados de Hans e Rosa Hubermann, um casal pobre, mas que a acolhe num momento muito difícil. A relação com o pai adotivo logo se mostra promissora, ao contrário do primeiro contato com a nova mãe, que é o mau-humor e a rabugice em forma de gente.
                O ato que dá nome ao livro tem início durante o enterro do irmão de Liesel. Um coveiro deixa cair um livro e ela o apanha. O Manual do Coveiro é o primeiro de muitos livros que Liesel toma posse para saciar sua sede de conhecimento Um detalhe interessante é que quando o primeiro roubo acontece, ela sequer sabe ler.
                Às voltas com sua nova vida, distante da mãe e de todos que um dia já fizeram parte de sua vida, a menina precisa aprender a ser a filha adotiva que seus pais esperam que ela seja. Aos poucos, vai sendo alfabetizada pelo pintor sem emprego a quem chama de pai, ao mesmo tempo em que a relação dois vai se estreitando.

ALGUNS DADOS SOBRE
HANS HUBERMANN
Ele adorava fumar.
O que mais gostava no fumo era de enrolar os cigarros.
Tinha o ofício de pintor de paredes e tocava acordeão.
Isso era uma mão na roda, especialmente no inverno,
Quando ele podia ganhar um dinheirinho tocando nos
Bares de Molching, como o Knoller (p. 33)

                Seu vizinho, o jovem Rudy Steiner, rapidamente se torna o seu melhor amigo e confidente. E embora todas as tentativas do garoto de ganhar um beijo acabem em fracasso, a amizade dos dois também ajuda Liesel a suportar a distância e saudade que sente da mãe e do irmão.

Ele era oito meses mais velho do que Liesel e tinha pernas ossudas,
Dentes afiados, olhos azuis esbugalhados e cabelos cor de limão.
Como um dos seis filhos dos Steiner,
Estava permanentemente com fome (p.46).

                O livro é todo narrado de modo bastante peculiar. Em vários momentos, a narrativa é interrompida para que algo seja explicado pela Morte ou por um dos personagens. Seja a tradução de alguma expressão dita em alemão, seja a descrição de um ambiente novo aos olhos do leitor. Geralmente, as descrições em excesso cansam o leitor ou tornam a leitura enfadonha. Bem, não é o caso de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS. Com descrições sem exageros e sob medida, Zusak conquista seu leitor a cada nova página do livro. Tanto, que conheço pessoas que se recusaram a assistir ao filme recém-lançado, só para não perderem a visão que tem da obra original.
                Um outro detalhe que me chamou muito a atenção foi o neologismo criado pela Morte para definir Liesel: Roubadora. A palavra, é claro, foi criada em homenagem à personagem. E tornou-se tão única quanto ela.
                Cada ponto deste livro tem o seu mérito. É o que acontece com o judeu Max, que Hans e Rosa abrigam clandestinamente em sua casa, protegendo-o dos nazistas. Max e Liesel acabam se tornando, não amigos, mas cúmplices de um sentimento que os unirá para sempre: a vontade de superar todos aqueles problemas e, de alguma forma, terem uma vida melhor. A cena em que o judeu ensina a garota a fazer metáforas arrancou-me lágrimas dos olhos e muito embora eu não ache certo comparar livros com filmes, preciso dizer que foi muitíssimo bem traduzida para a grande tela. É de emocionar qualquer um.

AS SAUDAÇÕES NATALINAS DE MAX VANDENBURG
— Muitas vezes, Liesel, eu gostaria que isso tudo acabasse, mas aí,
de algum modo, você faz uma coisa como descer ao porão
carregando um boneco de neve (p. 277).

                Como alguém que tem descendência judaica, não pude evitar me emocionar ao ler as cenas fortes, ao mesmo tempo ficcionais e verdadeiras, que envolvem o holocausto retratado na obra. Markus Zusak, obviamente, fez uma pesquisa muito ampla sobre o tema, além de mergulhar de cabeça nos sentimentos do povo judeu. Digo isso porque ele retratou seus anseios como poucos conseguiram fazer até hoje.

CHAMADA ABREVIADA DE 1942
1.       Os judeus desesperados — seus espíritos no meu colo,
Ao nos sentarmos no telhado, junto às chaminés fumegantes (p. 272).

Qualidades à parte, todos os personagens apresentados foram muitíssimo bem construídos. Nenhum deles faz o estereótipo “batido” do homem bom ou mau. Cada qual tem suas particularidades, como se todos protagonizassem a história, junto de Liesel. Como diria o autor da obra, também grandiosa, O Pequeno Príncipe, uma obra capaz de cativar alguém, não é só uma obra, mas um achado, uma relíquia, algo merecedor até mesmo da imortalidade.
E você, leitor, prepare-se para rir, chorar, torcer e até se apaixonar, pois existe no mundo uma única palavra para descrever a poesia dessa história: PERFEIÇÃO. Fica a dica, queridos amigos. Ninguém vai se arrepender.

O LADO BOM DA VIDA



Uma primeira leitura deste livro me fez ter uma visão errada ao seu respeito. Lembram-se da história da Tartaruga e da Lebre? O livro vem a ser a Tartaruga. A narrativa caminha devagar, quase parando nas primeiras cinquenta páginas. É preciso muita coragem para avançar, à medida que vamos descobrindo mais sobre Pat Peoples, nosso inusitado protagonista.



Depois de uma temporada em um hospital psiquiátrico, para onde fora enviado depois de circunstâncias não imediatamente esclarecidas ao leitor, Pat volta ao convívio dos familiares, não totalmente ciente de que sua vida nunca mais será a mesma. Foi só nesse ponto que percebi que a vagarosidade da história era proposital e que o autor, Matthew Quick, acertou em cheio ao narrar a trama desse jeito.

Não preciso olhar para cima para saber que mamãe está fazendo outra visita surpresa. Suas unhas dos pés estão sempre cor-de-rosa nos meses de verão, e eu reconheço o motivo floral impresso em suas sandálias de couro; ela as comprou na última vez que me tirou do lugar ruim e me levou ao shopping (p.7).

Pat é um personagem complexo, cheio de problemas, mas com uma vontade enorme de superá-los e voltar a ser feliz. Em inúmeros momentos, temos a impressão de que ele é uma criança que cresceu demais. Ele alimenta uma obsessiva paixão por sua ex-mulher Nikki, de quem tem lembranças cheias de lapsos. Ele sequer sabe o porquê de ter sido enviado à clínica psiquiátrica e vive fazendo coisas que não são de seu agrado, mas porque sua ex aprovaria, quando eles decidissem voltar a viverem juntos. Um exemplo disso é a leitura.

Nikki gosta de ler, e, como ela sempre desejou que eu lesse livros de literatura, começo a fazer isso, principalmente para poder participar daquelas conversas durante o jantar nas quais eu costumava ficar calado (p.12).

                Julgo que Pat sofre uma pressão enorme pelo simples fato de ser quem é. Em determinados momentos, ele é discriminado, apanha do próprio pai e é repelido por pessoas que moram próximas a sua casa, sem saber exatamente o motivo de tudo isso. É nesse momento que ele ganha a torcida dos leitores do livro, que se passam a perguntar se ele e Nikki terão um final feliz ou se ele realmente vai recuperar sua memória e partir em busca da própria felicidade.
                Durante um jantar na casa de um amigo, Pat conhece Tiffany, que é quase tão complexa quanto ele. Seu marido, Tommy, falecera há pouco tempo e a jovem ainda tentava juntar os cacos que sua vida emocional se transformara.

Tiffany está usando um vestido de noite preto, sapatos de salto, um colar de diamantes, e sua maquiagem e seu cabelo parecem perfeitos demais para mim, como se ela estivesse tentando com muito afinco ficar atraente, como as velhas senhoras fazem às vezes (p. 43).

                Ela e Pat têm sua relação de amizade do tipo gato e rato. Ela gosta de se exercitar com ele durante o dia. Ele parece não gostar muito da sua companhia, mas a procura na vã tentativa de que ela o deixe em paz, se sofre uma decepção rápida e indolor. Um destaque especial para a cena em que os dois saem para jantar, ainda no início da trama. A mãe de Pat lhe empresta 40 dólares. E ele, com medo de passar vergonha na hora de pagar a conta, pede apenas uma tigela de cereais com passas. Tiffany o acompanha apenas com chá. Comicidade à parte, a conta final mal atinge os quatro dólares e Pat, surpreendendo a todos, dá os 40 dólares para a garçonete, lembrando que Nikki sempre o incentivara a dar boas gorjetas.
                Outro personagem que me chamou muito a atenção foi o terapeuta de Pat, o Dr. Cliff. Todas as vezes que os dois se encontram, temos belíssimos diálogos nos quais, creio eu, até mesmo os leitores são submetidos a uma divertida terapia.

Sua mãe disse que você à praia com a Tiffany amanhã. diz Cliff, e depois sorri, como os homens fazem às vezes quando estão falando de mulheres e sexo.
Vou com Ronnie e Verônica e a bebê, Emily, também. O objetivo é levar Emily à praia, porque ela não foi muitas vezes neste verão e logo vai fazer frio. As crianças pequenas adoram ir à praia, Cliff.
Você está animado para ir?
Sim. Acho que sim (...)
E para ver Tiffany em traje de banho?
Pisco diversas vezes antes de entender o que ele disse (p.77).

                A relação de Pat com seu pai foi uma das coisas que mais me encantou no livro. Mesmo eles pouco conversando, é nítida a vontade que o pai tem de ajudar o filho a superar seus problemas. Mesmo sendo um homem aparentemente bruto, de poucas palavras, quando resolve agir, sempre dá um jeito de desarmar o filho, como quando passa a deixar as páginas dos cadernos de esportes do jornal para o filho, no porão, onde Pat sempre se exercitava.

Estou chocado demais para falar ou me mover, porque meu pai leva as páginas de esporte para o trabalho desde que Jake e eu éramos crianças (p. 76).

                Em suma, O LADO BOM DA VIDA é um livro especial, maravilhoso, quase uma terapia completa para aqueles que têm mania de dar prioridade ao lado negativo das coisas na vida. Seja qual for o seu problema, segundo Matthew Quick, enquanto houver vida há esperança. Muito bom mesmo! Vida longa a Pat Peoples!

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

                             

                                    "AMIGOS SÃO A FAMÍLIA QUE VOCÊ PODE ESCOLHER".


A CORAGEM EM FORMA DE PALAVRAS
Por Rafael Elarrat

         “Quando criança, Amanda escapava de um lar violento folheando as páginas da revista National Geographic e imaginando-se em lugares exóticos”. Assim começa o texto da contracapa do livro A CASA DO CÉU (Ed. Novo Conceito), das autoras Amanda Lindhout e Sara Corbett. Mesmo dentro de um contexto pequeno, essas palavras são mais do que suficientes para que qualquer leitor alimente um mínimo de interesse em conhecer a obra mais de perto.

         Primeiro, trata-se de um livro autobiográfico, e como toda obra desse gênero, tende a ser uma leitura densa, quase impenetrável em algumas vezes, já que há um compromisso maior com a realidade. Bem, não é o caso de A CASA DO CÉU. O início da trama, que se passa durante a infância de Amanda, convida o leitor a compartilhar um pouco da visão da menina sobre o mundo que a rodeava.

“Não era um lugar feio ou perigoso. Era estranho, atraente e tão bonito que você sentiria vontade de colocá-lo em uma moldura e pendurá-lo na parede” (p.15).

         Essa época única, porém tumultuada, passou-se na cidade de Sylvan Lake, na província de Alberta, no Canadá, onde Amanda, numa empolgante narrativa em primeira pessoa, contagia o leitor, provocando-lhe um verdadeiro ataque de curiosidade, tornando impossível abandonar a leitura, antes de saber o que, de fato, vai acontecer.
         Amanda tem uma vida difícil, pois sua família, imensamente problemática, faz com que a garota deseje ardentemente ter uma vida melhor o quanto antes. E é exatamente aí que começa o desenrolar da personagem.
         Agonia é a melhor palavra para descrever o sentimento que domina o coração do leitor nas primeiras cem páginas do livro. Por saber em partes do que vai acontecer a Amanda, é impossível não surgir em nossas cabeças um autoquestionamento sobre os motivos que levaram esta mulher tão corajosa a se aventurar pelo mundo, depois de juntar seu dinheiro suado como garçonete, durante tantos meses.

“Pelos meus cálculos, três ou quatro meses servindo martínis para frequentadores de casas noturnas em Calgary seriam o bastante para comprar uma passagem de avião e quatro ou cinco meses de viagem — ou seis, se eu conseguisse manter meus gastos sob controle” (p. 59).

         Na vã tentativa de compreender o mundo confuso que a cerca, nossa heroína viaja como mochileira pela América Latina, Laos, Bangladesh e Índia. Depois disso, movida por um audacioso surto de adrenalina (creio eu), Amanda procura horizontes mais ousados, para não dizer perigosos. Ela vai até o Sudão, a Síria, o Paquistão, e até em alguns países que já haviam sido devastados por guerras, como o Afeganistão e o Iraque, onde ela deu início a sua carreira como repórter de televisão. Infelizmente, em agosto de 2008, ela viajou sozinha para a Somália, onde foi sequestrada por um grupo de homens mascarados em uma estrada de terra.
         Aí é que realmente tem início o maior e mais dramático relato de alguém, cuja curiosidade a levou aos lugares mais bonitos e remotos do mundo e também a ver a morte de frente. Amanda passou aproximadamente quinze meses em um angustiante cativeiro, não perdendo jamais sua coragem e sua vontade de viver.

“Hoje eu sei que sequestros em troca de resgate acontecem com mais frequência do que a maioria de nós imagina. Acontecem no México, Nigéria e Iraque. Acontecem na Índia, Paquistão, China, Colômbia e em muitos outros lugares” (p.183).

         O que mais impressionou neste livro é ver o quanto Amanda vai desabrochando no decorrer das páginas. É quase como se o leitor crescesse junto dela. Aprende a pensar mais antes de agir, sem perder, no entanto, sua maior característica: ser perseverante.
         Outro ponto que considero crucial neste livro: ele foi escrito a quatro mãos. Tal proeza nunca se aproximou o bastante de mim, nem mesmo para que eu pudesse sentir o seu cheiro (risos). Escrever foi, é e sempre será um ato solitário para a grande maioria dos escritores. Amanda viveu a história. Sara Corbett entrou na sequência, ajudando-a a transcrever tudo para o corpo do livro. Trabalho este que se converteu numa grande obra literária, onde se nota grande capacidade de descrição dos ambientes externos e uma gigantesca sensibilidade, que pode ser apontada até mesmo nos títulos atribuídos aos capítulos, sempre curtos e objetivos.
         Se os títulos são objetivos, a narrativa em si passa longe disso. Num tom quase sempre subjetivo, o leitor vai testando sua capacidade de se apaixonar ou não pela obra, mediante a paciência que precisa desenvolver para acompanhar a trajetória de Amanda até o fim.
         Que posso dizer? Vale muito a pena. A CASA DO CÉU é como a coragem em forma de palavras. Eu recomendo.


TIROS, SUSTOS E PAIXÕES
Por Rafael Elarrat.

Que a maioria dos leitores adora ler trilogias, isso não é mais novidade. Agora, quando surge uma que se destaca no meio das demais, isso sim é motivo de grande comemoração. Foi o que senti quando o livro Quando eu era Joe (Editora Novo Conceito, 318 páginas) chegou até minhas mãos na semana passada. Um aluno me disse: “Professor, sei de um livro que achei a sua cara!”. Eu, é claro, fui até a livraria mais próxima, conferir.
Trata-se do primeiro livro de Keren David, que trabalhou no jornal The Independent, até se mudar para Amsterdã, onde foi editora-chefe de uma agência de fotojornalismo. Quando voltou à Inglaterra, estava decidida a escrever um livro. Assim nascia a história de Tyler Lewis.

Fora a capa do livro, que é, de longe, uma das mais sugestivas e interessantes que já vi, as primeiras linhas foram decisivas ao pré-julgamento que todo leitor faz do livro, antes de decidir se vai lê-lo ou não.
A história já se inicia num momento dramático. Ty e sua mãe estão na delegacia, onde ele acaba de testemunhar sobre um crime bárbaro que presenciara. Assim que descobre que, para garantir sua segurança, o garoto terá que entrar no Programa de Proteção à Testemunha, tudo em sua vida parece desmoronar. São semanas trancafiado em um quarto minúsculo de um hotel de beira de estrada em companhia de sua mãe, com quem ele sempre tivera pouco contato. Tudo parece conspirar para que sua vida, que já não era muito boa, saia dos trilhos em definitivo. Mas então, surge Joe, sua nova identidade. Alguém capaz de trazer o colorido que sempre faltara em sua vida. E Ty agarra essa chance, como se tudo dependesse dela.
Joe é popular na escola. Pratica esportes e até envolve-se em brigas com os valentões, que não aceitam que ele faça sucesso com as meninas ou tenha acesso ao equipamento de ginástica da escola com um cartão especial, que ninguém mais tem.
Mesmo namorando uma das meninas mais lindas da escola e sendo treinado pro Ellie, uma atleta excepcional, Joe começa a se interessar pela pessoa mais improvável naquele lugar: a jovem Claire, que é praticamente invisível dentro de sua família e no mundo que a cerca. Aos poucos, o casal vai se descobrindo, à medida que o próprio leitor vai descobrindo que Joe, ou melhor, Tyler, talvez não seja tudo aquilo que parece. E no meio de todo esse turbilhão de emoções, a quadrilha de bandidos que o persegue não o deixa esquecer que deve permanecer escondido, nem por um minuto.
Envolvente, contagiante e surpreendentemente empolgante, Quando eu era Joe tem tudo o precisa para conquistar leitores nos cantos deste país. No fim da leitura, o maior desafio do leitor é esperar pela continuação do livro. Altamente recomendável!