domingo, 16 de março de 2014

QUEM É VOCÊ, ALASCA?



Falar em John Green é lembrar do clássico A culpa é das estrelas, que o projetou como autor a nível internacional. Depois, entretanto, foram surgindo novos livros do autor, quase tão clássicos quanto o primeiro. Com a obra Quem é você, Alasca? não foi diferente. Basta dar uma conferida na frase que inicia o texto presente na contracapa do livro:

“Se as pessoas fossem chuva, eu seria garoa e ela, um furacão”.



                Miles Halter é um adolescente como outro qualquer. Em busca de uma vida nova e novas experiências, o jovem parte para a escola interna de Culver Creek, para se aventurar longe do ninho familiar e da super proteção dos pais. Seu pai estudou lá na juventude e Miles espera ardentemente que sua vida enfim tenha início nesse novo e inexplorado lugar. Num primeiro momento, fica claro que os pais do garoto pouco o conhecem, pois alimentam a esperança do filho ser popular na escola, cheio de amigos e super bem entrosado. Miles, na verdade, é tímido, introvertido, mas sedento por novas experiências.

Fui até o escritório do papai e achei a biografia de François Rabelais. Eu gostava de ler biografias de escritores, mesmo que (como era o caso com o Monsieur Rabelais) não tivesse lido nenhum de seus livros. Folheei as últimas páginas e encontrei uma citação destacada com marca-texto (...) Então, esse cara, eu disse, parado à porta da sala. “François Rabelais. Era poeta. Suas últimas palavras foram: ‘Saio em busca de um Grande Talvez’. É por isso que estou indo embora. Para não ter de esperar a morte para procurar o Grande Talvez” (p. 5).

                Miles era simplesmente fascinado em colecionar últimas palavras. Sobretudo as célebres. Chegando ao novo lar, ele conhece Alasca Young, a jovem e misteriosa que dá nome ao livro. Alasca tem problemas familiares e um psicológico nada convencional para uma garota tão nova e cheia de vida. Mesmo assim, uma atração entre os dois é inevitável.

Entramos. Eu me virei para fechar a porta, mas o Coronel balançou a cabeça e disse: “Depois das sete temos que deixar a porta aberta se estivermos no quarto de uma garota”, mas eu quase não o ouvi, pois diante de mim estava a garota mais linda da história da humanidade, com jeans cortados à altura das coxas e uma camiseta regata cor de pêssego” (p.15).

                É impossível não ressaltar o fato de que os personagens criados por John Green são magistralmente bem construídos. Dez páginas depois e a gente já sente que somos seus amigos de infância ou mesmo, parentes bem próximos. O mais impressionante, em minha modesta opinião, é que ele tem o dom de transformar antagonistas em protagonistas, como acontece com alguns personagens de menor impacto nesta história. O colega de quarto de Miles, apelidado de Coronel, é um deles. Como todos os outros, ele também tem os seus problemas, mas lida com bom humor e descontração com a maioria deles.
                O livro em si é divido em duas partes: ANTES e DEPOIS. É óbvio que o leitor fica imediatamente curioso com as citações do tipo Centro e vinte e oito dias antes, mas isso não impede que a leitura siga seu rumo, de maneira saudável e nada convencional. Acho até bem prático dizer que o livro é como uma montanha russa de emoções. Inúmeros são os temas abordados, que vão desde sexualidade até alcoolismo juvenil e relacionamentos familiares. Todos de maneira exemplar, beirando a perfeição.

As palavras ‘bebida’ e ‘farra’ me deixaram receoso de que eu tivesse me envolvido com o que minha mãe chamava de ‘as pessoas erradas’, mas eles pareciam inteligentes demais para serem as pessoas erradas (p.20).

                Um detalhe essencial: Miles é o protagonista, o narrador, mas Alasca é, sem dúvida, a principal fonte de brilho desta trama. Por diversas vezes, ela nos irrita e nos confunde, como por exemplo quando Miles vai lhe pedir socorro depois de sofrer um trote um tanto violento logo depois de chegar ao internato. Alasca mal lhe abre a porta do quarto e o destrata.
                Qualquer leitor, mesmo eu, que já estou na casa dos trinta, certamente já teve dias inesquecíveis na escola e amigos, cujos rostos e atitudes irá levar consigo para toda a vida. A este, é uma missão extremamente difícil não se envolver com este livro. Penso que, por mais um livro nos faça chorar, sofrer ou simplesmente dar umas boas gargalhadas que logo depois são esquecidas, o mais importante são as horas mais do que agradáveis que passamos em sua companhia. Como é o caso desde livro. Vida longa a John Green! Ele é perfeito!

sexta-feira, 7 de março de 2014

QUANDO A MORTE CONTA UMA HISTÓRIA...


Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler”. Só a frase escolhida para ser o destaque da contracapa do livro de Markus Zusak já é um suficiente para atiçar a curiosidade de qualquer leitor. Liesel Meminger teve três encontros com a Morte entre os anos de 1939 e 1943. E saiu-se muito bem nas três ocasiões. Inteira o suficiente para contar sua história ao mundo. História esta que, nas palavras da ceifadora de almas, é apenas uma dentre as centenas que ela já presenciou. Liesel, entretanto, consegue deixar a morte intrigada. Por que será?



A paisagem branca que parece ofuscar os olhos do leitor nas primeiras linhas do livro é tão bem descrita, que é impossível não ficar empolgado com a cena que se inicia. A Morte abre seu discurso falando de seu ofício. Assim é o primeiro dos três encontros que a nossa protagonista tem com sua maior adversária. Ou será que deveríamos dizer “admiradora”?

Às vezes eu chego cedo demais.
Apresso-me, e algumas pessoas se agarram
por mais tempo à vida do que seria esperável (p.15).

A Menina que roubava livros é um romance histórico, que transcorre sua narrativa durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente numa área pobre de Molching, cidade próxima a Munique, na Alemanha. Tudo se passa numa época em que aquele país era devastado pela fúria de Hitler e seus aliados. Uma época em que livros estrangeiros eram queimados em praça pública. Época em que uma jovem como Liesel precisou encontrar motivos plausíveis para continuar viva.
Apenas algumas horas depois de ver seu irmão mais novo morrer nos braços da mãe, dentro de um trem, Liesel é deixada sob os cuidados de Hans e Rosa Hubermann, um casal pobre, mas que a acolhe num momento muito difícil. A relação com o pai adotivo logo se mostra promissora, ao contrário do primeiro contato com a nova mãe, que é o mau-humor e a rabugice em forma de gente.
                O ato que dá nome ao livro tem início durante o enterro do irmão de Liesel. Um coveiro deixa cair um livro e ela o apanha. O Manual do Coveiro é o primeiro de muitos livros que Liesel toma posse para saciar sua sede de conhecimento Um detalhe interessante é que quando o primeiro roubo acontece, ela sequer sabe ler.
                Às voltas com sua nova vida, distante da mãe e de todos que um dia já fizeram parte de sua vida, a menina precisa aprender a ser a filha adotiva que seus pais esperam que ela seja. Aos poucos, vai sendo alfabetizada pelo pintor sem emprego a quem chama de pai, ao mesmo tempo em que a relação dois vai se estreitando.

ALGUNS DADOS SOBRE
HANS HUBERMANN
Ele adorava fumar.
O que mais gostava no fumo era de enrolar os cigarros.
Tinha o ofício de pintor de paredes e tocava acordeão.
Isso era uma mão na roda, especialmente no inverno,
Quando ele podia ganhar um dinheirinho tocando nos
Bares de Molching, como o Knoller (p. 33)

                Seu vizinho, o jovem Rudy Steiner, rapidamente se torna o seu melhor amigo e confidente. E embora todas as tentativas do garoto de ganhar um beijo acabem em fracasso, a amizade dos dois também ajuda Liesel a suportar a distância e saudade que sente da mãe e do irmão.

Ele era oito meses mais velho do que Liesel e tinha pernas ossudas,
Dentes afiados, olhos azuis esbugalhados e cabelos cor de limão.
Como um dos seis filhos dos Steiner,
Estava permanentemente com fome (p.46).

                O livro é todo narrado de modo bastante peculiar. Em vários momentos, a narrativa é interrompida para que algo seja explicado pela Morte ou por um dos personagens. Seja a tradução de alguma expressão dita em alemão, seja a descrição de um ambiente novo aos olhos do leitor. Geralmente, as descrições em excesso cansam o leitor ou tornam a leitura enfadonha. Bem, não é o caso de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS. Com descrições sem exageros e sob medida, Zusak conquista seu leitor a cada nova página do livro. Tanto, que conheço pessoas que se recusaram a assistir ao filme recém-lançado, só para não perderem a visão que tem da obra original.
                Um outro detalhe que me chamou muito a atenção foi o neologismo criado pela Morte para definir Liesel: Roubadora. A palavra, é claro, foi criada em homenagem à personagem. E tornou-se tão única quanto ela.
                Cada ponto deste livro tem o seu mérito. É o que acontece com o judeu Max, que Hans e Rosa abrigam clandestinamente em sua casa, protegendo-o dos nazistas. Max e Liesel acabam se tornando, não amigos, mas cúmplices de um sentimento que os unirá para sempre: a vontade de superar todos aqueles problemas e, de alguma forma, terem uma vida melhor. A cena em que o judeu ensina a garota a fazer metáforas arrancou-me lágrimas dos olhos e muito embora eu não ache certo comparar livros com filmes, preciso dizer que foi muitíssimo bem traduzida para a grande tela. É de emocionar qualquer um.

AS SAUDAÇÕES NATALINAS DE MAX VANDENBURG
— Muitas vezes, Liesel, eu gostaria que isso tudo acabasse, mas aí,
de algum modo, você faz uma coisa como descer ao porão
carregando um boneco de neve (p. 277).

                Como alguém que tem descendência judaica, não pude evitar me emocionar ao ler as cenas fortes, ao mesmo tempo ficcionais e verdadeiras, que envolvem o holocausto retratado na obra. Markus Zusak, obviamente, fez uma pesquisa muito ampla sobre o tema, além de mergulhar de cabeça nos sentimentos do povo judeu. Digo isso porque ele retratou seus anseios como poucos conseguiram fazer até hoje.

CHAMADA ABREVIADA DE 1942
1.       Os judeus desesperados — seus espíritos no meu colo,
Ao nos sentarmos no telhado, junto às chaminés fumegantes (p. 272).

Qualidades à parte, todos os personagens apresentados foram muitíssimo bem construídos. Nenhum deles faz o estereótipo “batido” do homem bom ou mau. Cada qual tem suas particularidades, como se todos protagonizassem a história, junto de Liesel. Como diria o autor da obra, também grandiosa, O Pequeno Príncipe, uma obra capaz de cativar alguém, não é só uma obra, mas um achado, uma relíquia, algo merecedor até mesmo da imortalidade.
E você, leitor, prepare-se para rir, chorar, torcer e até se apaixonar, pois existe no mundo uma única palavra para descrever a poesia dessa história: PERFEIÇÃO. Fica a dica, queridos amigos. Ninguém vai se arrepender.

O LADO BOM DA VIDA



Uma primeira leitura deste livro me fez ter uma visão errada ao seu respeito. Lembram-se da história da Tartaruga e da Lebre? O livro vem a ser a Tartaruga. A narrativa caminha devagar, quase parando nas primeiras cinquenta páginas. É preciso muita coragem para avançar, à medida que vamos descobrindo mais sobre Pat Peoples, nosso inusitado protagonista.



Depois de uma temporada em um hospital psiquiátrico, para onde fora enviado depois de circunstâncias não imediatamente esclarecidas ao leitor, Pat volta ao convívio dos familiares, não totalmente ciente de que sua vida nunca mais será a mesma. Foi só nesse ponto que percebi que a vagarosidade da história era proposital e que o autor, Matthew Quick, acertou em cheio ao narrar a trama desse jeito.

Não preciso olhar para cima para saber que mamãe está fazendo outra visita surpresa. Suas unhas dos pés estão sempre cor-de-rosa nos meses de verão, e eu reconheço o motivo floral impresso em suas sandálias de couro; ela as comprou na última vez que me tirou do lugar ruim e me levou ao shopping (p.7).

Pat é um personagem complexo, cheio de problemas, mas com uma vontade enorme de superá-los e voltar a ser feliz. Em inúmeros momentos, temos a impressão de que ele é uma criança que cresceu demais. Ele alimenta uma obsessiva paixão por sua ex-mulher Nikki, de quem tem lembranças cheias de lapsos. Ele sequer sabe o porquê de ter sido enviado à clínica psiquiátrica e vive fazendo coisas que não são de seu agrado, mas porque sua ex aprovaria, quando eles decidissem voltar a viverem juntos. Um exemplo disso é a leitura.

Nikki gosta de ler, e, como ela sempre desejou que eu lesse livros de literatura, começo a fazer isso, principalmente para poder participar daquelas conversas durante o jantar nas quais eu costumava ficar calado (p.12).

                Julgo que Pat sofre uma pressão enorme pelo simples fato de ser quem é. Em determinados momentos, ele é discriminado, apanha do próprio pai e é repelido por pessoas que moram próximas a sua casa, sem saber exatamente o motivo de tudo isso. É nesse momento que ele ganha a torcida dos leitores do livro, que se passam a perguntar se ele e Nikki terão um final feliz ou se ele realmente vai recuperar sua memória e partir em busca da própria felicidade.
                Durante um jantar na casa de um amigo, Pat conhece Tiffany, que é quase tão complexa quanto ele. Seu marido, Tommy, falecera há pouco tempo e a jovem ainda tentava juntar os cacos que sua vida emocional se transformara.

Tiffany está usando um vestido de noite preto, sapatos de salto, um colar de diamantes, e sua maquiagem e seu cabelo parecem perfeitos demais para mim, como se ela estivesse tentando com muito afinco ficar atraente, como as velhas senhoras fazem às vezes (p. 43).

                Ela e Pat têm sua relação de amizade do tipo gato e rato. Ela gosta de se exercitar com ele durante o dia. Ele parece não gostar muito da sua companhia, mas a procura na vã tentativa de que ela o deixe em paz, se sofre uma decepção rápida e indolor. Um destaque especial para a cena em que os dois saem para jantar, ainda no início da trama. A mãe de Pat lhe empresta 40 dólares. E ele, com medo de passar vergonha na hora de pagar a conta, pede apenas uma tigela de cereais com passas. Tiffany o acompanha apenas com chá. Comicidade à parte, a conta final mal atinge os quatro dólares e Pat, surpreendendo a todos, dá os 40 dólares para a garçonete, lembrando que Nikki sempre o incentivara a dar boas gorjetas.
                Outro personagem que me chamou muito a atenção foi o terapeuta de Pat, o Dr. Cliff. Todas as vezes que os dois se encontram, temos belíssimos diálogos nos quais, creio eu, até mesmo os leitores são submetidos a uma divertida terapia.

Sua mãe disse que você à praia com a Tiffany amanhã. diz Cliff, e depois sorri, como os homens fazem às vezes quando estão falando de mulheres e sexo.
Vou com Ronnie e Verônica e a bebê, Emily, também. O objetivo é levar Emily à praia, porque ela não foi muitas vezes neste verão e logo vai fazer frio. As crianças pequenas adoram ir à praia, Cliff.
Você está animado para ir?
Sim. Acho que sim (...)
E para ver Tiffany em traje de banho?
Pisco diversas vezes antes de entender o que ele disse (p.77).

                A relação de Pat com seu pai foi uma das coisas que mais me encantou no livro. Mesmo eles pouco conversando, é nítida a vontade que o pai tem de ajudar o filho a superar seus problemas. Mesmo sendo um homem aparentemente bruto, de poucas palavras, quando resolve agir, sempre dá um jeito de desarmar o filho, como quando passa a deixar as páginas dos cadernos de esportes do jornal para o filho, no porão, onde Pat sempre se exercitava.

Estou chocado demais para falar ou me mover, porque meu pai leva as páginas de esporte para o trabalho desde que Jake e eu éramos crianças (p. 76).

                Em suma, O LADO BOM DA VIDA é um livro especial, maravilhoso, quase uma terapia completa para aqueles que têm mania de dar prioridade ao lado negativo das coisas na vida. Seja qual for o seu problema, segundo Matthew Quick, enquanto houver vida há esperança. Muito bom mesmo! Vida longa a Pat Peoples!