quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014


A CORAGEM EM FORMA DE PALAVRAS
Por Rafael Elarrat

         “Quando criança, Amanda escapava de um lar violento folheando as páginas da revista National Geographic e imaginando-se em lugares exóticos”. Assim começa o texto da contracapa do livro A CASA DO CÉU (Ed. Novo Conceito), das autoras Amanda Lindhout e Sara Corbett. Mesmo dentro de um contexto pequeno, essas palavras são mais do que suficientes para que qualquer leitor alimente um mínimo de interesse em conhecer a obra mais de perto.

         Primeiro, trata-se de um livro autobiográfico, e como toda obra desse gênero, tende a ser uma leitura densa, quase impenetrável em algumas vezes, já que há um compromisso maior com a realidade. Bem, não é o caso de A CASA DO CÉU. O início da trama, que se passa durante a infância de Amanda, convida o leitor a compartilhar um pouco da visão da menina sobre o mundo que a rodeava.

“Não era um lugar feio ou perigoso. Era estranho, atraente e tão bonito que você sentiria vontade de colocá-lo em uma moldura e pendurá-lo na parede” (p.15).

         Essa época única, porém tumultuada, passou-se na cidade de Sylvan Lake, na província de Alberta, no Canadá, onde Amanda, numa empolgante narrativa em primeira pessoa, contagia o leitor, provocando-lhe um verdadeiro ataque de curiosidade, tornando impossível abandonar a leitura, antes de saber o que, de fato, vai acontecer.
         Amanda tem uma vida difícil, pois sua família, imensamente problemática, faz com que a garota deseje ardentemente ter uma vida melhor o quanto antes. E é exatamente aí que começa o desenrolar da personagem.
         Agonia é a melhor palavra para descrever o sentimento que domina o coração do leitor nas primeiras cem páginas do livro. Por saber em partes do que vai acontecer a Amanda, é impossível não surgir em nossas cabeças um autoquestionamento sobre os motivos que levaram esta mulher tão corajosa a se aventurar pelo mundo, depois de juntar seu dinheiro suado como garçonete, durante tantos meses.

“Pelos meus cálculos, três ou quatro meses servindo martínis para frequentadores de casas noturnas em Calgary seriam o bastante para comprar uma passagem de avião e quatro ou cinco meses de viagem — ou seis, se eu conseguisse manter meus gastos sob controle” (p. 59).

         Na vã tentativa de compreender o mundo confuso que a cerca, nossa heroína viaja como mochileira pela América Latina, Laos, Bangladesh e Índia. Depois disso, movida por um audacioso surto de adrenalina (creio eu), Amanda procura horizontes mais ousados, para não dizer perigosos. Ela vai até o Sudão, a Síria, o Paquistão, e até em alguns países que já haviam sido devastados por guerras, como o Afeganistão e o Iraque, onde ela deu início a sua carreira como repórter de televisão. Infelizmente, em agosto de 2008, ela viajou sozinha para a Somália, onde foi sequestrada por um grupo de homens mascarados em uma estrada de terra.
         Aí é que realmente tem início o maior e mais dramático relato de alguém, cuja curiosidade a levou aos lugares mais bonitos e remotos do mundo e também a ver a morte de frente. Amanda passou aproximadamente quinze meses em um angustiante cativeiro, não perdendo jamais sua coragem e sua vontade de viver.

“Hoje eu sei que sequestros em troca de resgate acontecem com mais frequência do que a maioria de nós imagina. Acontecem no México, Nigéria e Iraque. Acontecem na Índia, Paquistão, China, Colômbia e em muitos outros lugares” (p.183).

         O que mais impressionou neste livro é ver o quanto Amanda vai desabrochando no decorrer das páginas. É quase como se o leitor crescesse junto dela. Aprende a pensar mais antes de agir, sem perder, no entanto, sua maior característica: ser perseverante.
         Outro ponto que considero crucial neste livro: ele foi escrito a quatro mãos. Tal proeza nunca se aproximou o bastante de mim, nem mesmo para que eu pudesse sentir o seu cheiro (risos). Escrever foi, é e sempre será um ato solitário para a grande maioria dos escritores. Amanda viveu a história. Sara Corbett entrou na sequência, ajudando-a a transcrever tudo para o corpo do livro. Trabalho este que se converteu numa grande obra literária, onde se nota grande capacidade de descrição dos ambientes externos e uma gigantesca sensibilidade, que pode ser apontada até mesmo nos títulos atribuídos aos capítulos, sempre curtos e objetivos.
         Se os títulos são objetivos, a narrativa em si passa longe disso. Num tom quase sempre subjetivo, o leitor vai testando sua capacidade de se apaixonar ou não pela obra, mediante a paciência que precisa desenvolver para acompanhar a trajetória de Amanda até o fim.
         Que posso dizer? Vale muito a pena. A CASA DO CÉU é como a coragem em forma de palavras. Eu recomendo.

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