sexta-feira, 7 de março de 2014

QUANDO A MORTE CONTA UMA HISTÓRIA...


Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler”. Só a frase escolhida para ser o destaque da contracapa do livro de Markus Zusak já é um suficiente para atiçar a curiosidade de qualquer leitor. Liesel Meminger teve três encontros com a Morte entre os anos de 1939 e 1943. E saiu-se muito bem nas três ocasiões. Inteira o suficiente para contar sua história ao mundo. História esta que, nas palavras da ceifadora de almas, é apenas uma dentre as centenas que ela já presenciou. Liesel, entretanto, consegue deixar a morte intrigada. Por que será?



A paisagem branca que parece ofuscar os olhos do leitor nas primeiras linhas do livro é tão bem descrita, que é impossível não ficar empolgado com a cena que se inicia. A Morte abre seu discurso falando de seu ofício. Assim é o primeiro dos três encontros que a nossa protagonista tem com sua maior adversária. Ou será que deveríamos dizer “admiradora”?

Às vezes eu chego cedo demais.
Apresso-me, e algumas pessoas se agarram
por mais tempo à vida do que seria esperável (p.15).

A Menina que roubava livros é um romance histórico, que transcorre sua narrativa durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente numa área pobre de Molching, cidade próxima a Munique, na Alemanha. Tudo se passa numa época em que aquele país era devastado pela fúria de Hitler e seus aliados. Uma época em que livros estrangeiros eram queimados em praça pública. Época em que uma jovem como Liesel precisou encontrar motivos plausíveis para continuar viva.
Apenas algumas horas depois de ver seu irmão mais novo morrer nos braços da mãe, dentro de um trem, Liesel é deixada sob os cuidados de Hans e Rosa Hubermann, um casal pobre, mas que a acolhe num momento muito difícil. A relação com o pai adotivo logo se mostra promissora, ao contrário do primeiro contato com a nova mãe, que é o mau-humor e a rabugice em forma de gente.
                O ato que dá nome ao livro tem início durante o enterro do irmão de Liesel. Um coveiro deixa cair um livro e ela o apanha. O Manual do Coveiro é o primeiro de muitos livros que Liesel toma posse para saciar sua sede de conhecimento Um detalhe interessante é que quando o primeiro roubo acontece, ela sequer sabe ler.
                Às voltas com sua nova vida, distante da mãe e de todos que um dia já fizeram parte de sua vida, a menina precisa aprender a ser a filha adotiva que seus pais esperam que ela seja. Aos poucos, vai sendo alfabetizada pelo pintor sem emprego a quem chama de pai, ao mesmo tempo em que a relação dois vai se estreitando.

ALGUNS DADOS SOBRE
HANS HUBERMANN
Ele adorava fumar.
O que mais gostava no fumo era de enrolar os cigarros.
Tinha o ofício de pintor de paredes e tocava acordeão.
Isso era uma mão na roda, especialmente no inverno,
Quando ele podia ganhar um dinheirinho tocando nos
Bares de Molching, como o Knoller (p. 33)

                Seu vizinho, o jovem Rudy Steiner, rapidamente se torna o seu melhor amigo e confidente. E embora todas as tentativas do garoto de ganhar um beijo acabem em fracasso, a amizade dos dois também ajuda Liesel a suportar a distância e saudade que sente da mãe e do irmão.

Ele era oito meses mais velho do que Liesel e tinha pernas ossudas,
Dentes afiados, olhos azuis esbugalhados e cabelos cor de limão.
Como um dos seis filhos dos Steiner,
Estava permanentemente com fome (p.46).

                O livro é todo narrado de modo bastante peculiar. Em vários momentos, a narrativa é interrompida para que algo seja explicado pela Morte ou por um dos personagens. Seja a tradução de alguma expressão dita em alemão, seja a descrição de um ambiente novo aos olhos do leitor. Geralmente, as descrições em excesso cansam o leitor ou tornam a leitura enfadonha. Bem, não é o caso de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS. Com descrições sem exageros e sob medida, Zusak conquista seu leitor a cada nova página do livro. Tanto, que conheço pessoas que se recusaram a assistir ao filme recém-lançado, só para não perderem a visão que tem da obra original.
                Um outro detalhe que me chamou muito a atenção foi o neologismo criado pela Morte para definir Liesel: Roubadora. A palavra, é claro, foi criada em homenagem à personagem. E tornou-se tão única quanto ela.
                Cada ponto deste livro tem o seu mérito. É o que acontece com o judeu Max, que Hans e Rosa abrigam clandestinamente em sua casa, protegendo-o dos nazistas. Max e Liesel acabam se tornando, não amigos, mas cúmplices de um sentimento que os unirá para sempre: a vontade de superar todos aqueles problemas e, de alguma forma, terem uma vida melhor. A cena em que o judeu ensina a garota a fazer metáforas arrancou-me lágrimas dos olhos e muito embora eu não ache certo comparar livros com filmes, preciso dizer que foi muitíssimo bem traduzida para a grande tela. É de emocionar qualquer um.

AS SAUDAÇÕES NATALINAS DE MAX VANDENBURG
— Muitas vezes, Liesel, eu gostaria que isso tudo acabasse, mas aí,
de algum modo, você faz uma coisa como descer ao porão
carregando um boneco de neve (p. 277).

                Como alguém que tem descendência judaica, não pude evitar me emocionar ao ler as cenas fortes, ao mesmo tempo ficcionais e verdadeiras, que envolvem o holocausto retratado na obra. Markus Zusak, obviamente, fez uma pesquisa muito ampla sobre o tema, além de mergulhar de cabeça nos sentimentos do povo judeu. Digo isso porque ele retratou seus anseios como poucos conseguiram fazer até hoje.

CHAMADA ABREVIADA DE 1942
1.       Os judeus desesperados — seus espíritos no meu colo,
Ao nos sentarmos no telhado, junto às chaminés fumegantes (p. 272).

Qualidades à parte, todos os personagens apresentados foram muitíssimo bem construídos. Nenhum deles faz o estereótipo “batido” do homem bom ou mau. Cada qual tem suas particularidades, como se todos protagonizassem a história, junto de Liesel. Como diria o autor da obra, também grandiosa, O Pequeno Príncipe, uma obra capaz de cativar alguém, não é só uma obra, mas um achado, uma relíquia, algo merecedor até mesmo da imortalidade.
E você, leitor, prepare-se para rir, chorar, torcer e até se apaixonar, pois existe no mundo uma única palavra para descrever a poesia dessa história: PERFEIÇÃO. Fica a dica, queridos amigos. Ninguém vai se arrepender.

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