Eu
não tomei parte na história que será contada nas próximas linhas. Ela me foi narrada
por minha esposa e por uma amiga, que eram as responsáveis em conduzir as
turmas do 7º ano da escola em que trabalhávamos ao Planetário, para uma visita
monitorada. Foi numa tarde calorenta, nos últimos dias do mês de maio. Os
alunos estavam bem entusiasmados com a possibilidade de deixarem o ambiente
escolar em busca de aventuras pela cidade.
O ônibus chegou. Não era um ônibus
novo, muito menos bonito. Também não tinha nenhuma regalia como ar
condicionado, televisão ou frigobar. Mas era um ônibus em bom estado para levar
os alunos de uma escola pública até o outro lado da cidade.
A viagem foi bem cansativa. O calor
era o senhor absoluto daquele momento. Mesmo assim, os alunos cantarolavam,
alegres, à medida que a paisagem ia mudando. No Planetário, o clima de empolgação
encontrou seu auge. Ouviam-se gritos e palmas enquanto todos caminhavam para a
entrada. Na verdade, ninguém chegou a entrar. Algo, no caminho, chamou-lhes a
atenção.
Era um ônibus. Grande, alto e
imponente. Um daqueles ônibus de dois andares, com sala de jogos embaixo. Com
certeza tinha ar-condicionado, televisão e tudo mais que o ônibus da escola
pública não tinha. “Devem ser pessoas importantes”, disse uma das professoras.
“Talvez sejam empresários”, comentou a outra.
O gigantesco ônibus finalmente
estacionou. Todos ali observavam a cena com curiosidade.
Quem seriam seus ocupantes? A mochila de uma aluna caiu no chão assim que a
porta do ônibus foi aberta (e o queixo de todos os presentes também). Crianças
bem vestidas, penteadas e cada um trazendo consigo um tablet (último modelo, na cor branca) desciam do veículo a passos
lentos, todas muito sorridentes.
O ônibus havia sido alugado para uma
escola particular, bastante tradicional da cidade. E era para transportar
crianças do 6º ano do Ensino Fundamental.
Enquanto os tablets desfilavam pelo salão com suas crianças, os alunos da
escola pública foram ficando para trás, ainda boquiabertos com tudo aquilo. A
discriminação era tanta, que os próprios alunos da escola particular trocavam
olhares desconfiados com os da escola pública. Apertavam seus tablets contra o peito sempre que um
aluno de outra escola se aproximava.
Na hora do lanche, enquanto as
crianças da escola particular comiam salgados cuidadosamente fritos e embalados
em caixinhas personalizadas (tudo regado a latinhas de Coca-cola!), os alunos
da escola pública saboreavam pipocas Pantera,
mas o faziam com gosto, nem ligando para as diferenças.
“Acho que eles levaram numa boa,
né?”, comentou uma professora.
“Eles levaram. Eu não”, disse a
outra professora. Dez minutos depois, lá estava ela de volta, com um ar mais
tranquilo e sereno no rosto. “Pedi para não misturarem mais escolas públicas
com particulares. Isso causou um grande constrangimento nas crianças”.
Na volta para casa, quando o ônibus
passava pela feira do Ver-O-Peso, outro ônibus parava ao lado do coletivo em
que as crianças da escola pública estavam, durante um enorme congestionamento.
“Professora, professora!” Gritou um
menino. “Olha só o que aquele velho tá fazendo!”
As duas professoras, já de pé,
assistiram ao show de imoralidade que um velho, visivelmente bêbado, dava no
ônibus ao lado.
“Ele tá mostrando cotoco, nós vamos
mostrar também!”.
“Não, meninos. É melhor deixar isso
pra lá”.
Mas não teve jeito. O ônibus escolar
em peso, exceto o motorista e as professoras, devolvia a gentileza ao velho,
pagando-lhe na mesma moeda.
Aos risos, as professoras voltaram a
sentar e concluíram: era bom demais ser criança.