quarta-feira, 13 de junho de 2012

O ÔNIBUS, OS TABLETS E A MERENDA (E O BÊBADO!)



            Eu não tomei parte na história que será contada nas próximas linhas. Ela me foi narrada por minha esposa e por uma amiga, que eram as responsáveis em conduzir as turmas do 7º ano da escola em que trabalhávamos ao Planetário, para uma visita monitorada. Foi numa tarde calorenta, nos últimos dias do mês de maio. Os alunos estavam bem entusiasmados com a possibilidade de deixarem o ambiente escolar em busca de aventuras pela cidade.
            O ônibus chegou. Não era um ônibus novo, muito menos bonito. Também não tinha nenhuma regalia como ar condicionado, televisão ou frigobar. Mas era um ônibus em bom estado para levar os alunos de uma escola pública até o outro lado da cidade.
            A viagem foi bem cansativa. O calor era o senhor absoluto daquele momento. Mesmo assim, os alunos cantarolavam, alegres, à medida que a paisagem ia mudando. No Planetário, o clima de empolgação encontrou seu auge. Ouviam-se gritos e palmas enquanto todos caminhavam para a entrada. Na verdade, ninguém chegou a entrar. Algo, no caminho, chamou-lhes a atenção.
            Era um ônibus. Grande, alto e imponente. Um daqueles ônibus de dois andares, com sala de jogos embaixo. Com certeza tinha ar-condicionado, televisão e tudo mais que o ônibus da escola pública não tinha. “Devem ser pessoas importantes”, disse uma das professoras. “Talvez sejam empresários”, comentou a outra.
            O gigantesco ônibus finalmente estacionou. Todos ali observavam a cena com curiosidade. Quem seriam seus ocupantes? A mochila de uma aluna caiu no chão assim que a porta do ônibus foi aberta (e o queixo de todos os presentes também). Crianças bem vestidas, penteadas e cada um trazendo consigo um tablet (último modelo, na cor branca) desciam do veículo a passos lentos, todas muito sorridentes.
            O ônibus havia sido alugado para uma escola particular, bastante tradicional da cidade. E era para transportar crianças do 6º ano do Ensino Fundamental.
            Enquanto os tablets desfilavam pelo salão com suas crianças, os alunos da escola pública foram ficando para trás, ainda boquiabertos com tudo aquilo. A discriminação era tanta, que os próprios alunos da escola particular trocavam olhares desconfiados com os da escola pública. Apertavam seus tablets contra o peito sempre que um aluno de outra escola se aproximava.
            Na hora do lanche, enquanto as crianças da escola particular comiam salgados cuidadosamente fritos e embalados em caixinhas personalizadas (tudo regado a latinhas de Coca-cola!), os alunos da escola pública saboreavam pipocas Pantera, mas o faziam com gosto, nem ligando para as diferenças.
            “Acho que eles levaram numa boa, né?”, comentou uma professora.
            “Eles levaram. Eu não”, disse a outra professora. Dez minutos depois, lá estava ela de volta, com um ar mais tranquilo e sereno no rosto. “Pedi para não misturarem mais escolas públicas com particulares. Isso causou um grande constrangimento nas crianças”.
            Na volta para casa, quando o ônibus passava pela feira do Ver-O-Peso, outro ônibus parava ao lado do coletivo em que as crianças da escola pública estavam, durante um enorme congestionamento.
            “Professora, professora!” Gritou um menino. “Olha só o que aquele velho tá fazendo!”
            As duas professoras, já de pé, assistiram ao show de imoralidade que um velho, visivelmente bêbado, dava no ônibus ao lado.
            “Ele tá mostrando cotoco, nós vamos mostrar também!”.
            “Não, meninos. É melhor deixar isso pra lá”.
            Mas não teve jeito. O ônibus escolar em peso, exceto o motorista e as professoras, devolvia a gentileza ao velho, pagando-lhe na mesma moeda.
            Aos risos, as professoras voltaram a sentar e concluíram: era bom demais ser criança.

3 comentários:

  1. O mais triste (embora esse texto seja meio cômico) é que essa diferença existe mesmo. Os alunos das escolas particulares olham com indiferença para os alunos das escolas públicas, como se tivessem medo de serem roubados, ameaçados ou sabe DEUS mais o que. Eles esquecem que todos somos filhos do mesmo Criador - DEUS.

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  2. Ótimo texto professor, gostei muito. Porque além de contar um fato que é bem evidente hoje, que é as diferenças entre escolas publicas e privadas, ele ainda conta com um ar de comédia, que também é muito comum entre os alunos de escola publica rsrs... Parabéns não só por esse texto, e sim pelos outros ótimos textos que o Sr vem fazendo. Lhe parabenizo também por ter tomado a iniciativa de demonstrar o seu potencial ao escrever livros (coisa muitos professores hoje em dia não tem coragem). Continue assim professor, saiba que ja virei fã de seus textos. Abraços!

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