Uma primeira leitura deste livro
me fez ter uma visão errada ao seu respeito. Lembram-se da história da Tartaruga e da Lebre? O livro vem a ser
a Tartaruga. A narrativa caminha devagar,
quase parando nas primeiras cinquenta páginas. É preciso muita coragem para
avançar, à medida que vamos descobrindo mais sobre Pat Peoples, nosso inusitado
protagonista.
Depois de uma temporada em um
hospital psiquiátrico, para onde fora enviado depois de circunstâncias não
imediatamente esclarecidas ao leitor, Pat volta ao convívio dos familiares, não
totalmente ciente de que sua vida nunca mais será a mesma. Foi só nesse ponto
que percebi que a vagarosidade da história era proposital e que o autor,
Matthew Quick, acertou em cheio ao narrar a trama desse jeito.
Não
preciso olhar para cima para saber que mamãe está fazendo outra visita
surpresa. Suas unhas dos pés estão sempre cor-de-rosa nos meses de verão, e eu
reconheço o motivo floral impresso em suas sandálias de couro; ela as comprou
na última vez que me tirou do lugar ruim e me levou ao shopping (p.7).
Pat é um personagem complexo,
cheio de problemas, mas com uma vontade enorme de superá-los e voltar a ser
feliz. Em inúmeros momentos, temos a impressão de que ele é uma criança que
cresceu demais. Ele alimenta uma obsessiva paixão por sua ex-mulher Nikki, de
quem tem lembranças cheias de lapsos. Ele sequer sabe o porquê de ter sido
enviado à clínica psiquiátrica e vive fazendo coisas que não são de seu agrado,
mas porque sua ex aprovaria, quando eles decidissem voltar a viverem juntos. Um
exemplo disso é a leitura.
Nikki
gosta de ler, e, como ela sempre desejou que eu lesse livros de literatura,
começo a fazer isso, principalmente para poder participar daquelas conversas
durante o jantar nas quais eu costumava ficar calado (p.12).
Julgo
que Pat sofre uma pressão enorme pelo simples fato de ser quem é. Em determinados
momentos, ele é discriminado, apanha do próprio pai e é repelido por pessoas
que moram próximas a sua casa, sem saber exatamente o motivo de tudo isso. É
nesse momento que ele ganha a torcida dos leitores do livro, que se passam a
perguntar se ele e Nikki terão um final feliz ou se ele realmente vai recuperar
sua memória e partir em busca da própria felicidade.
Durante
um jantar na casa de um amigo, Pat conhece Tiffany, que é quase tão complexa
quanto ele. Seu marido, Tommy, falecera há pouco tempo e a jovem ainda tentava
juntar os cacos que sua vida emocional se transformara.
Tiffany
está usando um vestido de noite preto, sapatos de salto, um colar de diamantes,
e sua maquiagem e seu cabelo parecem perfeitos demais para mim, como se ela
estivesse tentando com muito afinco ficar atraente, como as velhas senhoras
fazem às vezes (p. 43).
Ela
e Pat têm sua relação de amizade do tipo gato e rato. Ela gosta de se exercitar
com ele durante o dia. Ele parece não gostar muito da sua companhia, mas a
procura na vã tentativa de que ela o deixe em paz, se sofre uma decepção rápida
e indolor. Um destaque especial para a cena em que os dois saem para jantar,
ainda no início da trama. A mãe de Pat lhe empresta 40 dólares. E ele, com medo
de passar vergonha na hora de pagar a conta, pede apenas uma tigela de cereais
com passas. Tiffany o acompanha apenas com chá. Comicidade à parte, a conta
final mal atinge os quatro dólares e Pat, surpreendendo a todos, dá os 40
dólares para a garçonete, lembrando que Nikki sempre o incentivara a dar boas
gorjetas.
Outro
personagem que me chamou muito a atenção foi o terapeuta de Pat, o Dr. Cliff. Todas
as vezes que os dois se encontram, temos belíssimos diálogos nos quais, creio
eu, até mesmo os leitores são submetidos a uma divertida terapia.
—
Sua mãe disse que você à praia com a Tiffany amanhã. —diz Cliff, e depois sorri, como os homens fazem às vezes quando estão
falando de mulheres e sexo.
—Vou
com Ronnie e Verônica e a bebê, Emily, também. O objetivo é levar Emily à
praia, porque ela não foi muitas vezes neste verão e logo vai fazer frio. As
crianças pequenas adoram ir à praia, Cliff.
— Você
está animado para ir?
— Sim.
Acho que sim (...)
— E
para ver Tiffany em traje de banho?
Pisco
diversas vezes antes de entender o que ele disse (p.77).
A
relação de Pat com seu pai foi uma das coisas que mais me encantou no livro. Mesmo
eles pouco conversando, é nítida a vontade que o pai tem de ajudar o filho a
superar seus problemas. Mesmo sendo um homem aparentemente bruto, de poucas
palavras, quando resolve agir, sempre dá um jeito de desarmar o filho, como quando
passa a deixar as páginas dos cadernos de esportes do jornal para o filho, no
porão, onde Pat sempre se exercitava.
Estou
chocado demais para falar ou me mover, porque meu pai leva as páginas de
esporte para o trabalho desde que Jake e eu éramos crianças (p. 76).
Em
suma, O LADO BOM DA VIDA é um livro especial, maravilhoso, quase uma terapia
completa para aqueles que têm mania de dar prioridade ao lado negativo das
coisas na vida. Seja qual for o seu problema, segundo Matthew Quick, enquanto
houver vida há esperança. Muito bom mesmo! Vida longa a Pat Peoples!
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