sexta-feira, 7 de março de 2014

O LADO BOM DA VIDA



Uma primeira leitura deste livro me fez ter uma visão errada ao seu respeito. Lembram-se da história da Tartaruga e da Lebre? O livro vem a ser a Tartaruga. A narrativa caminha devagar, quase parando nas primeiras cinquenta páginas. É preciso muita coragem para avançar, à medida que vamos descobrindo mais sobre Pat Peoples, nosso inusitado protagonista.



Depois de uma temporada em um hospital psiquiátrico, para onde fora enviado depois de circunstâncias não imediatamente esclarecidas ao leitor, Pat volta ao convívio dos familiares, não totalmente ciente de que sua vida nunca mais será a mesma. Foi só nesse ponto que percebi que a vagarosidade da história era proposital e que o autor, Matthew Quick, acertou em cheio ao narrar a trama desse jeito.

Não preciso olhar para cima para saber que mamãe está fazendo outra visita surpresa. Suas unhas dos pés estão sempre cor-de-rosa nos meses de verão, e eu reconheço o motivo floral impresso em suas sandálias de couro; ela as comprou na última vez que me tirou do lugar ruim e me levou ao shopping (p.7).

Pat é um personagem complexo, cheio de problemas, mas com uma vontade enorme de superá-los e voltar a ser feliz. Em inúmeros momentos, temos a impressão de que ele é uma criança que cresceu demais. Ele alimenta uma obsessiva paixão por sua ex-mulher Nikki, de quem tem lembranças cheias de lapsos. Ele sequer sabe o porquê de ter sido enviado à clínica psiquiátrica e vive fazendo coisas que não são de seu agrado, mas porque sua ex aprovaria, quando eles decidissem voltar a viverem juntos. Um exemplo disso é a leitura.

Nikki gosta de ler, e, como ela sempre desejou que eu lesse livros de literatura, começo a fazer isso, principalmente para poder participar daquelas conversas durante o jantar nas quais eu costumava ficar calado (p.12).

                Julgo que Pat sofre uma pressão enorme pelo simples fato de ser quem é. Em determinados momentos, ele é discriminado, apanha do próprio pai e é repelido por pessoas que moram próximas a sua casa, sem saber exatamente o motivo de tudo isso. É nesse momento que ele ganha a torcida dos leitores do livro, que se passam a perguntar se ele e Nikki terão um final feliz ou se ele realmente vai recuperar sua memória e partir em busca da própria felicidade.
                Durante um jantar na casa de um amigo, Pat conhece Tiffany, que é quase tão complexa quanto ele. Seu marido, Tommy, falecera há pouco tempo e a jovem ainda tentava juntar os cacos que sua vida emocional se transformara.

Tiffany está usando um vestido de noite preto, sapatos de salto, um colar de diamantes, e sua maquiagem e seu cabelo parecem perfeitos demais para mim, como se ela estivesse tentando com muito afinco ficar atraente, como as velhas senhoras fazem às vezes (p. 43).

                Ela e Pat têm sua relação de amizade do tipo gato e rato. Ela gosta de se exercitar com ele durante o dia. Ele parece não gostar muito da sua companhia, mas a procura na vã tentativa de que ela o deixe em paz, se sofre uma decepção rápida e indolor. Um destaque especial para a cena em que os dois saem para jantar, ainda no início da trama. A mãe de Pat lhe empresta 40 dólares. E ele, com medo de passar vergonha na hora de pagar a conta, pede apenas uma tigela de cereais com passas. Tiffany o acompanha apenas com chá. Comicidade à parte, a conta final mal atinge os quatro dólares e Pat, surpreendendo a todos, dá os 40 dólares para a garçonete, lembrando que Nikki sempre o incentivara a dar boas gorjetas.
                Outro personagem que me chamou muito a atenção foi o terapeuta de Pat, o Dr. Cliff. Todas as vezes que os dois se encontram, temos belíssimos diálogos nos quais, creio eu, até mesmo os leitores são submetidos a uma divertida terapia.

Sua mãe disse que você à praia com a Tiffany amanhã. diz Cliff, e depois sorri, como os homens fazem às vezes quando estão falando de mulheres e sexo.
Vou com Ronnie e Verônica e a bebê, Emily, também. O objetivo é levar Emily à praia, porque ela não foi muitas vezes neste verão e logo vai fazer frio. As crianças pequenas adoram ir à praia, Cliff.
Você está animado para ir?
Sim. Acho que sim (...)
E para ver Tiffany em traje de banho?
Pisco diversas vezes antes de entender o que ele disse (p.77).

                A relação de Pat com seu pai foi uma das coisas que mais me encantou no livro. Mesmo eles pouco conversando, é nítida a vontade que o pai tem de ajudar o filho a superar seus problemas. Mesmo sendo um homem aparentemente bruto, de poucas palavras, quando resolve agir, sempre dá um jeito de desarmar o filho, como quando passa a deixar as páginas dos cadernos de esportes do jornal para o filho, no porão, onde Pat sempre se exercitava.

Estou chocado demais para falar ou me mover, porque meu pai leva as páginas de esporte para o trabalho desde que Jake e eu éramos crianças (p. 76).

                Em suma, O LADO BOM DA VIDA é um livro especial, maravilhoso, quase uma terapia completa para aqueles que têm mania de dar prioridade ao lado negativo das coisas na vida. Seja qual for o seu problema, segundo Matthew Quick, enquanto houver vida há esperança. Muito bom mesmo! Vida longa a Pat Peoples!

Nenhum comentário:

Postar um comentário