quarta-feira, 27 de junho de 2012

HOJE TEM ESPETÁCULO?


Hoje mesmo, uma amiga muito querida me perguntou como eu fazia para escrever meus textos. Disse que adorava lê-los e que quando o fazia, o filme com a história passava e sua cabeça. Pois bem, amiga, vasculhando meu baú de histórias, achei esta crônica escrita por minha mãe ELENIR ELARRAT, em 1978, sobre uma traquinagem cometida por ela em sua infância. Leia! É muito boa!
Quanto à paixão pela leitura e pela escrita, eu nada posso fazer. Está no meu sangue.


Contava na época com dez ou onze anos. A experiência para mim não era nova. Aos seis anos, havia dado certo e eu acreditava que desta vez também daria.
O circo chegou naquela manhã. Era um circo pobre, com poucos artistas sem muitos animais que chamassem a atenção do público pela raridade. A lona, toda remendada, reclamava uma substituição.
E o circo estava lá, imponente, majestoso, desafiando a minha capacidade infantil de ir assistir ao espetáculo.
Não havia dinheiro para a entrada, e os poucos trocados que tinham em casa estavam contados para a despesa da semana. Eu sabia que se pedisse, não me dariam, mas eu precisava ir.
Chegou o dia da estréia, um sábado. O espetáculo seria às 20 horas. A rua estava toda animada, as pessoas iam e vinham com sorrisos alegres e “caras de novidade”. As bandeirinhas tremulavam em volta do circo e todos estavam contentes, menos eu.
Havia em mim uma vontade tremenda de ver de perto aquelas atrações. Eu não podia passar por baixo da lona, pois a timidez e o medo me impediam. Então, de repente, surgiu a idéia, e não podia falhar...
Eu já havia ido à praia uma vez sem o consentimento de mamãe, aos seis anos de idade, quer dizer, sem o consentimento consciente de mamãe.
Minha mãe costumava falar quando dormia. Chegava até a responder perguntas. Logo, seria facílimo, assim como roubar um doce das mãos de uma criança.
Esperei ela ir fazer o nenê dormir, e ajudei a proporcionar um ambiente de silêncio, pois sabia que ela fatalmente adormeceria vencida pelo cansaço. E, de fato, ela adormeceu.
     Mãe? — era eu aproximando-me da cama.
     Hã?
     Deixa eu ir no circo?
     NÃO! — ela respondeu de modo pesado.
     Deixa mãe, tá tudo tão bonito, tá lindo!
     Ah, tá bom, não amola, vai logo.
     E o dinheiro, mãe? Cadê o dinheiro?
     Tá na bolsa.
     Quanto eu tiro?
     Dez.
Meu coração disparou, e eu disparei rumo à bolsa. Peguei o dinheiro e corri para o circo. Ao chegar na porta de casa, encontrei meus irmãos.
     Onde tu vai, Leni?
     No circo.
     Eu vou contar pra mamãe.
     Conta, ela deixou. — respondi, já bem longe.
A noite foi linda, maravilhosa, ri muito. Em cada cena era uma novidade. O palhaço era a coisa mais linda e mais divertida do mundo. Quando a gente é feliz, o tempo passa rápido, e eu estava muito feliz.
Durante os intervalos, o troco que havia sobrado eu “estourei” em pipoca, picolé e no que aparecesse.
O espetáculo terminou e eu tive que voltar. Ih... Lembrei da trama. Iria apanhar com certeza. O dinheiro gasto no circo, por certo faria falta (e fez mesmo).
Mamãe acordou, notou minha ausência e os meus irmãos (cheios de inveja) disseram onde eu tinha ido. Depois, eu soube que ela tinha ido até lá, atrás de mim, mas, como não pôde entrar, resolveu que me esperaria em casa.
Quando cheguei em casa, encontrei minha mãe com “cara de tempestade”, e não demorou muito para ela se pendurar em minha orelha e exigir explicações sobre aonde eu tinha ido e sobre o dinheiro. As explicações eu dei, mas o dinheiro... Já era!
Naquela noite, eu dormi chorando e com o corpo todo doído, mas estava muito, muito feliz.

(ELARRAT, Elenir Alvarez. Hoje tem espetáculo? - Seminário Teológico Batista Equatorial, 1978).

Um comentário:

  1. Que lindo amiga!!!!! Escreves bem e poderias escrever crônicas, verdade? O bom de tudo isso é que ver a felicidade que sentimos na infância e que nos fez ser o que somos hoje: pessoas sensatas e felizes. Muita saúde, paz, amor, felicidade e bençãos divinas!

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