A CORAGEM EM
FORMA DE PALAVRAS
Por Rafael Elarrat
“Quando criança, Amanda escapava de um
lar violento folheando as páginas da revista National Geographic e imaginando-se em lugares exóticos”. Assim
começa o texto da contracapa do livro A
CASA DO CÉU (Ed. Novo Conceito), das autoras Amanda Lindhout e Sara Corbett.
Mesmo dentro de um contexto pequeno, essas palavras são mais do que suficientes
para que qualquer leitor alimente um mínimo de interesse em conhecer a obra
mais de perto.
Primeiro, trata-se de um livro
autobiográfico, e como toda obra desse gênero, tende a ser uma leitura densa,
quase impenetrável em algumas vezes, já que há um compromisso maior com a
realidade. Bem, não é o caso de A CASA DO
CÉU. O início da trama, que se passa durante a infância de Amanda, convida
o leitor a compartilhar um pouco da visão da menina sobre o mundo que a
rodeava.
“Não era um lugar feio ou
perigoso. Era estranho, atraente e tão bonito que você sentiria vontade de
colocá-lo em uma moldura e pendurá-lo na parede” (p.15).
Essa época única, porém tumultuada,
passou-se na cidade de Sylvan Lake, na província de Alberta, no Canadá, onde
Amanda, numa empolgante narrativa em primeira pessoa, contagia o leitor,
provocando-lhe um verdadeiro ataque de curiosidade, tornando impossível
abandonar a leitura, antes de saber o que, de fato, vai acontecer.
Amanda tem uma vida difícil, pois sua
família, imensamente problemática, faz com que a garota deseje ardentemente ter
uma vida melhor o quanto antes. E é exatamente aí que começa o desenrolar da
personagem.
Agonia é a melhor palavra para
descrever o sentimento que domina o coração do leitor nas primeiras cem páginas
do livro. Por saber em partes do que vai acontecer a Amanda, é impossível não
surgir em nossas cabeças um autoquestionamento sobre os motivos que levaram
esta mulher tão corajosa a se aventurar pelo mundo, depois de juntar seu
dinheiro suado como garçonete, durante tantos meses.
“Pelos meus cálculos, três ou
quatro meses servindo martínis para frequentadores de casas noturnas em Calgary
seriam o bastante para comprar uma passagem de avião e quatro ou cinco meses de
viagem — ou seis, se eu conseguisse manter meus gastos sob controle” (p. 59).
Na vã tentativa de compreender o mundo
confuso que a cerca, nossa heroína viaja como mochileira pela América Latina,
Laos, Bangladesh e Índia. Depois disso, movida por um audacioso surto de
adrenalina (creio eu), Amanda procura horizontes mais ousados, para não dizer
perigosos. Ela vai até o Sudão, a Síria, o Paquistão, e até em alguns países
que já haviam sido devastados por guerras, como o Afeganistão e o Iraque, onde
ela deu início a sua carreira como repórter de televisão. Infelizmente, em
agosto de 2008, ela viajou sozinha para a Somália, onde foi sequestrada por um grupo
de homens mascarados em uma estrada de terra.
Aí é que realmente tem início o maior e
mais dramático relato de alguém, cuja curiosidade a levou aos lugares mais
bonitos e remotos do mundo e também a ver a morte de frente. Amanda passou
aproximadamente quinze meses em um angustiante cativeiro, não perdendo jamais
sua coragem e sua vontade de viver.
“Hoje eu sei que sequestros em
troca de resgate acontecem com mais frequência do que a maioria de nós imagina.
Acontecem no México, Nigéria e Iraque. Acontecem na Índia, Paquistão, China,
Colômbia e em muitos outros lugares” (p.183).
O que mais impressionou neste livro é ver
o quanto Amanda vai desabrochando no decorrer das páginas. É quase como se o
leitor crescesse junto dela. Aprende a pensar mais antes de agir, sem perder,
no entanto, sua maior característica: ser perseverante.
Outro ponto que considero crucial neste
livro: ele foi escrito a quatro mãos. Tal proeza nunca se aproximou o bastante
de mim, nem mesmo para que eu pudesse sentir o seu cheiro (risos). Escrever
foi, é e sempre será um ato solitário para a grande maioria dos escritores.
Amanda viveu a história. Sara Corbett entrou na sequência, ajudando-a a
transcrever tudo para o corpo do livro. Trabalho este que se converteu numa
grande obra literária, onde se nota grande capacidade de descrição dos
ambientes externos e uma gigantesca sensibilidade, que pode ser apontada até mesmo
nos títulos atribuídos aos capítulos, sempre curtos e objetivos.
Se os títulos são objetivos, a
narrativa em si passa longe disso. Num tom quase sempre subjetivo, o leitor vai
testando sua capacidade de se apaixonar ou não pela obra, mediante a paciência
que precisa desenvolver para acompanhar a trajetória de Amanda até o fim.
Que posso dizer? Vale muito a pena. A CASA DO CÉU é como a coragem em forma
de palavras. Eu recomendo.
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