sábado, 7 de setembro de 2013

1º capítulo de LIAH SVEN E O MEDALHÃO DE MEMÓRIAS (completo)




Capítulo UM

-SANGUE INOCENTE-

 

Ian Katz estava deitado em sua tenda quando os primeiros gritos de terror chegaram em seus ouvidos. De imediato, ele soube o que estava acontecendo. Caminhando o mais rápido que sua idade avançada lhe permitia, o curandeiro chegou à entrada de seus aposentos, mas não a tempo de evitar que seus filhos Ien e Ianna entrassem.

         — O que está... — começou ele, mas a filha o interrompeu.

         — Os Kragen. — disse ela — invadiram o vilarejo. Passaram por nossa barreira mágica, como se ela não existisse.

         — Eles procuram pelo senhor, meu pai. — disse Ien. — O que faremos?

         Ian Katz respirou fundo antes de responder.

         — Levem-me até eles antes que destruam toda a nossa vila.

         — Mas, pai... — disse o rapaz.

         — E rápido, meu filho. Ou mais sangue inocente será derramado.

         Escoltado pelos filhos, o velho curandeiro deixou sua tenda e foi em direção ao centro do vilarejo, onde dezenas de cavaleiros, armados com lanças e espadas, ostentavam os brasões dos Kragen, na tentativa de intimidar seus adversários. Ian Katz não ficou surpreso ao ver o rei, Nael Kragen, em pessoa, montado em seu corcel negro, o encarando com seu semblante frio e cruel.

         — Nael Kragen. — disse Ian Katz. — Faz anos que não nos vemos, não é mesmo?

         O rei fez sinal para dois de seus soldados mais próximos o ajudassem a descer se de sua montaria. Em seguida, caminhou alguns metros em direção ao líder dos Katz.

         — Por que desfez a maldição que nos impedia de andar pelas terras de Hindra? — perguntou o rei.

         — Porque tive um motivo. — respondeu Ian Katz.

         O rei desembainhou sua espada. A lâmina negra exibia um estranho brilho esverdeado. Ien e Ianna colocaram-se diante do pai.

         — Eu vou perguntar só mais uma vez. — disse Nael Kragen ­— Meus feiticeiros captaram inúmeras vezes o brilho da Espada Sven nas últimas semanas. E nós dois sabemos que ninguém nesse mundo seria capaz disso, não é?

         Ian Katz deixou escapar um sorriso.

         — Digamos que aquele quem nós esperamos durante anos, finalmente chegou.

         — E quem é? — perguntou o rei. — E o que você fez com meu filho Mez? Eu não consigo encontrá-lo em parte alguma.

         — Talvez ele não queria ser encontrado. — disse Ianna. — Ele não é como você!

         — Cale-se, sua insolente! — disse o rei. — Ou saberá o que acontece a todos aqueles que são tocados pela lâmina de minha espada.

         — Foi assim que matou o rei Gavin? — perguntou a jovem, deixando claro que nem mesmo a figura do rei Nael Kragen a intimidava.

         Vários cavaleiros foram em sua direção. Ian Katz e o filho colocaram-se em sua frente, para protegê-la. O rei falou:

         — Se voltar a abrir essa boca suja sem que eu lhe dê permissão, passará o resto dos seus dias em Confre.

         Ianna ainda abriu a boca novamente, mas foi contida pelo irmão.

         — Quem fez com que a lâmina da espada Sven brilhasse, velho? Conte-me agora ou eu vou...

         — NÃO OUSE AMEAÇAR MEU PAI, Kragen! — gritou Ien Katz.

         Os cavaleiros ameaçaram um ataque mais uma vez, mas Nael Kragen levantou sua mão e todos se contiveram.

         Ian Katz coçou sua barba branca durante longos minutos.

         — É impressão minha ou Vossa Majestade está temeroso?

         O rei pareceu irritado.

         — Vocês são como insetos, velho! — disse ele. — Você e sua maldita gente não podem contra mim. Eu acabo com vocês antes mesmo da batalha começar.

         Ien tomou a palavra.

         — Será que Vossa Majestade aceitaria lutar com um de nossos guerreiros? Eu, por exemplo?

         Nael Kragen se aproximou.

         — Você seria bem menos covarde, se viesse até aqui sem essa maldita espada. — disse Ianna.

         — O quê? — perguntou o rei.

         — Você nunca teria vencido o rei Gavin, se Thora não tivesse enfeitiçado a lâmina de sua espada. — Ianna gritava com toda a sua força. — Você não passa de um Grosen nojento, que teve a sorte de evoluir.

         Nael Kragen avançou sobre ela com sua espada, mas Ien se pôs entre os dois, sendo atingido na altura do abdômen.

         — Nããão! — gritou Ianna, ao ver o sangue do irmão jorrar pela ferida.

         — KRAGEN! — berrou Ian Katz. — Você pagará por isso com sua própria vida.

         Do nada, círculos de fogo apareceram no céu e cercaram a todos. O rei e seus cavaleiros permaneceram imóveis. O sangue do filho de Ian Katz ainda pingava na grama verde quando algumas pessoas próximas começaram a gritar. Todos os cavaleiros e até o mesmo o rei atiraram-se ao chão.

         — Em nome do Grande Criador, o que está acontecendo? — perguntou um soldado do rei, ao ver dois dos cavalos reais serem consumidos pelas chamas.

         — Atenção, Guerreiros do Povo Katz... A ordem é atacar! — gritou Ian Katz.

         Quando os anéis de fogo sumiram, Nael Kragen e seus cavaleiros viram-se cercados por todos os lados.

         Ianna permanecia no chão, ajoelhada ao lado do irmão, que agonizava.

         — M...Minha irmã...

         — Não fale nada. — disse ela — Foi tudo minha culpa. Eu nunca deveria ter dito aquilo. Papai vai ajudá-lo. Por favor, aguente firme.

         — L...Liah... — disse Ien, com os olhos fechados. — Quando ela tiver as... as memórias... do... do medalhão, ela vai saber da... da verdade.

         — Que verdade? Do que você está falando?

         — Do... Do irmão dela. Aquele que... que nasceu antes do rei Gavin se casar com... com a Rainha.

         — Que irmão?

         — O...O garoto...

         Ien Katz parou de falar. A vida já não habitava mais seu corpo. Ianna entrou em desespero.

         — Pai! Pai, o que faremos?

         Ian Katz abaixou seu olhar e contemplou tristemente o corpo do filho. Em seguida, pegou sua antiga espada, que havia sido passada ao filho em sua maioridade hindraniana e disse:

         — Venha, Kragen!       

         — O QUÊ? — perguntou o rei, que ria abertamente. — Não seja ridículo! Eu não duelo com velhos!

         Ian Katz avançou sobre seu inimigo, que se defendeu de imediato. O barulho das lâminas, ao se tocarem, foi tão alto, que vários cavaleiros viraram-se para observar a cena.

         — Pai! — gritou Ianna, que parecia não acreditar no que via.

         Ian Katz era velho, mas sua agilidade com a espada superava e muito a de seu adversário. Por diversas vezes, Nael Kragen fora empurrado ou mesmo derrubado no chão. A cada novo choque entre as espadas, o vilarejo inteiro parecia tremer. Ianna assistia ao pai lutar contra o homem que assassinara seu irmão, perplexa e assustada.

         — Desista, velho! — gritou o rei. — E talvez eu só o mande para Confre, pelo resto dos seus dias.

         Ian Katz ignorava cada palavra de seu opositor e Nael Kragen já dava sinais de cansaço.

         Ao redor, todo o vilarejo dos Katz estava em guerra. Cavaleiros que já haviam sido mortos eram pisoteados por seus companheiros de batalha, enquanto estes tentavam, a todo custo, salvar suas próprias vidas.

         Ianna agora estava de pé. Suas lágrimas ainda molhavam o seu rosto, mas ela já segurava seu arco e posicionava uma flecha em seu alvo.

         — Ahhhhh! — gritou Nael Kragen, no exato momento em que uma flecha da garota acertara sua mão, fazendo-o largar a espada no chão.

         Ian Katz olhou para a filha, satisfeito. Depois, virou-se para o rei e sorriu.

         — Deixe-me apenas terminar o serviço, Majestade.

         Com um golpe seguro de sua espada, o velho curandeiro decepou o que havia restado da mão de Nael Kragen no fim de seu braço. O grito do rei foi tão alto que chamou a atenção dos muitos cavaleiros que ainda lutavam com os guerreiros Katz. Ian Katz se aproximou.

         — Com essa mão, você matou meu amigo Gavin e meu filho Ien. Mas você não vai mais usá-la para atingir ninguém. Nem mesmo seus feiticeiros serão capazes de colocá-la outra vez no lugar.

         Largando a espada no chão, Ian Katz fez jorrar de sua mão uma luz laranja, que atingiu a mão de Nael Kragen, que havia sido cortada durante a luta. O membro rapidamente se incendiou e se transformou em cinzas, que se perderam no ar da noite.

         — PRENDAM-NOS! — gritou o rei, cheio de cólera.

         Ianna não teve forças para lutar. Seu arco caiu no chão no exato momento em que três cavaleiros a imobilizaram e puseram grossas correntes em seus braços. Ian Katz fora agarrado pelos cabelos e levado até bem perto de Nael Kragen, para que este ditasse sua sentença. O curandeiro não demonstrava qualquer medo.

         — Vossa Majestade quer que o matemos? — perguntou um soldado.

         — Ainda não. — disse o Rei. — Sinto que ele ainda me será útil. Você vai adorar a prisão de Confre, seu velho maldito. Lá, terá tempo o bastante para pensar no que fez ao Rei de Hindra. Levem os dois para as masmorras mais profundas de Confre. Eu os quero isolados e sem nada para comer ou beber até que eu lhe avise para fazerem. LEVEM-NOS!

         Ian Katz e sua filha foram acorrentados aos cavalos e levados para longe de seu tão amado vilarejo. Para trás, deixavam um povo inconformado com tamanha violência e impiedade. No chão, em meio ao sangue de todos os que haviam perdido suas vidas na batalha, o corpo de Ien jazia em silêncio, rodeado de amigos de infância e parentes.

         Nael Kragen aproximou-se depois que seu ferimento havia sido todo envolto em túnicas reais.

         — Quero este vilarejo cercado e vigiado o tempo todo. Ninguém entra ou sai dele sem que eu saiba ou ordene. Vocês entenderam?

         Os soldados confirmaram com a cabeça e o rei voltou ao seu cavalo, que o conduziu para a escuridão da floresta.

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