quinta-feira, 21 de junho de 2012

Uma prévia de SEGREDO DE SANGUE


"Três pessoas podem manter um segredo, se duas delas estiverem mortas."
Benjamin Franklin


Ler revistas de trás para frente era a minha mania menos estranha. Eu também comia jujubas (e qualquer outro tipo de guloseimas) em números pares. Isso sim era entranho, já que eu vinha de uma família ímpar. Bem, pelo menos no início era assim.

         Meus pais nunca se casaram. Mesmo assim, viveram sob o mesmo teto durante quase vinte anos, até que a morte dele, vítima de um aneurisma, no dia do meu aniversário de dezenove anos. Desde esse dia, eu nunca mais consegui comemorar.

         Um ano depois, minha mãe deixava de assinar o sobrenome Amaral para assumir o nome de família de seu novo marido (com esse ela casou!). Foi nesse exato momento que nossa relação sofreu o primeiro grande abalo.

         — Isabela, você está agindo como se tivesse cinco anos de idade! — berrava minha mãe, do lado de fora do meu quarto, enquanto esmurrava a porta.

         Eu nunca fui do tipo de gente que resolvia as coisas no grito. Ao invés disso, engolia calada, bufando de raiva, desejando ardentemente saber fabricar qualquer tipo de bomba caseira que fosse capaz de mandar meu quarto pelos ares (Comigo dentro. Por que não?).

         Arrumei minhas coisas em tempo recorde. Roupas, sapatos, livros, fotos, nada iria ficar para testemunhar a total falta de respeito de minha mãe à memória de meu pai.

         Enchi duas malas, uma mochila e mais um saco enorme de lixo, que certamente rasgaria na metade do caminho, deixando-me na mão.

         — Aonde você pensa que vai? — perguntou minha mãe, ao ver minha cena no alto da escada.

         — Estou indo acampar no quintal. Aonde a senhora  acha que vou?

         — Isabella, se você sair por essa porta...

         —... Não volto nunca mais! Já sei! Ouvi aquele nazista do seu marido lhe aconselhando a me dizer isso hoje mais cedo.

         — Respeite o Lúcio!

         — Ao diabo com o Lúcio, mãe! Fique com ele e esqueça que eu existo. — E saí, batendo a porta com o máximo de força que minhas mãos trêmulas me permitiam.

         O famigerado Lúcio vivia dizendo que eu deveria trabalhar em novelas mexicanas. Hoje, vejo que ele talvez tivesse razão: eu era bem teatral. Mesmo assim, quando saí de casa naquela noite fria de dezembro do ano de 2005, eu não tinha a menor ideia de para onde poderia ir.

2 comentários:

  1. Este livro terá dois narradores. Parte dos capítulos será narrada por ISABELLA e a outra parte por DAVI. O trecho em destaque faz parte do primeiro capítulo do livro.

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  2. Muito bom o texto professor. O que é mais legal, é que a ficção de uma certa forma, se une à realidade. Isso é ótimo de se ver!!

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